"Quer sorvete, meu filho?", pergunta José Maria, de 65 anos, a todos os pacientes que entram e saem da Unidade de Pronto Atendimento da Lapa, na zona oeste de São Paulo. Abordado pela reportagem, ele ri e diz que está "até cansado" de tanto perguntar a mesma coisa —José trabalha como vendedor de sorvete no estacionamento do hospital há 30 anos. Parte do grupo de risco do covid-19, o vendedor afirma não ter medo de contrair a doença e que não lhe sobram muitas opções senão trabalhar todos os dias. "O que você quer que eu faça? Se não morrer desse vírus, morro de fome. Não posso parar de trabalhar"....  

A rotina não envolve apenas contato com pessoas que podem estar infectadas, mas, também, quatro viagens de ônibus por dia: ele sai às 8h de Perus, na zona norte de São Paulo, e chega em casa por volta das 22h. "Pelo menos, por causa desse vírus aí que eu nem sei falar o nome, os ônibus estão vazios. Pego dois para ir e dois para voltar. Quando estão muito cheios, é bastante difícil passar com esse carrinho. Agora, está mais tranquilo", conta à reportagem. A rotina de Perus até a Lapa acontece de segunda-feira a sábado. Aos domingos, ele conta, José vende tempero baiano no bairro em que mora. "O senhor é baiano, José?", pergunta o UOL. "Não, sou cearense. Vim para São Paulo em 197.

O trabalho com vendas de sorvete rende a José, em média, R$ 400 mensais "isso se o tempo estiver bom". "Quando faz frio, aí já era, ninguém quer comprar. Agora está complicado: por causa desse vírus, as vendas caíram muito. O movimento aqui no hospital, também. Quero só ver como vai ser daqui para frente", afirma. Por causa disso, o vendedor alterna o local das vendas todos os dias. Fica no hospital até as 14h e, a partir das 15h, faz suas vendas na Rua Cerro Corá, também na Lapa. "Fico andando para lá e para cá na Cerro Corá até a noitinha. Aí tento ganhar mais dinheiro". Poucos meses atrás, o cearense intercalava a venda de sorvetes —hoje, os sabores que se aninhavam no carrinh.