Covid-19. Espanha italianiza-se e para pior


A matemática e as estatísticas são por estes dias, se não uma arma contra o novo coronavírus, uma forma de procurar entender as formas de propagação da covid-19. A construção de modelos ajuda, por outro lado, a estabelecer comparações entre os países afetados e a estabelecer a medida da tragédia em cada novo foco nacional. E esses números não são favoráveis a Espanha.Números atualizados hoje: Nas últimas 24 horas foram registadas mais 514 vítimas mortais em Espanha. O número total de mortos no país é agora de 2.694. O país já tem quase 40 mil casos confirmados de infeção. Há 2.636 pessoas nos cuidados intensivos.
Num momento em que, após meses de bloqueio, Pequim anuncia para 8 de abrir o levantamento do recolher obrigatório na cidade de Wuhan, em cujos mercados terá estado o primeiro foco da pandemia, os títulos desta semana continuam a dar nota do caos que se vive no Continente Europeu, em particular em Itália e Espanha, mas também na França, que está já a exportar doentes para a Alemanha e Suíça, face à incapacidade hospitalar para lidar com todos os casos de covid-19.
Se voltarmos à matemática, percebemos que Espanha enfrentou nos últimos dias da semana passada uma curva ascensional que coloca o país como um dos exemplos mais críticos da pandemia.
Levando apenas três dias para duplicar os números de falecidos – do milhar para os dois milhares – este é um ritmo que se pode dizer insustentável quando comparado com a mesma circunstância em Itália (foram quatro dias para duplicar as primeiras 1000 mortes) ou mesmo na China.
A mancha territorial
Estes dados conduzem-nos a várias tentativas de explicação, em particular para a questão territorial. Em Itália, como em Espanha, cerca de 90 por cento das primeiras mortes verificaram-se em apenas três regiões bem delimitadas. Dos transalpinos, na Lombardia, Emilia-Romaña e Veneto; dos espanhóis, Madrid, País Basco-La Rioja e Aragão.
A diferença está agora, numa fase posterior, da evolução dessa mancha territorial, com Itália a registar mais de 80 por cento dos cerca de 6000 mortos da pandemia nessas mesmas três regiões, quando em Espanha a percentagem mergulhou para 65 por cento. Ou seja, o restante território italiano segue com taxas relativamente baixas de falecimentos enquanto que na Espanha disparou o número de vítimas mortais noutras partes do seu território – Catalunha, Castilla y León, Castilla-La Mancha e na Comunidade Valenciana.
A estatística mostra que, em Itália, na contabilização entre 5 e 23 de março, fora aquelas três regiões iniciais, as mortes que se produziram no resto do país aumentaram de 6,8% para 20,0%. Ou seja, oito em cada 10 mortes continuam a ocorrer nas regiões da Lombardia, Emilia Romaña e Veneto, onde foi assinalado o primeiro surto.
Já em Espanha, estes números de explodem para quase o triplo. O número de mortos no resto do país, tirando aqueles focos iniciais, cresceu entre 13 e 23 de março de 11,9 por cento para 34,1 por cento. Os falecimentos aumentaram no restante território mais de 20 pontos percentuais. Por exemplo, na Catalunha verifica-se já que constitui um ponto de 11,2 por cento das mortes, quando a 13 de março se assinalava aí uma percentagem de 3,4%.
Com a situação fora de controlo, as imagens lúgubres de lares de idosos em que os vivos convivem ao lado de camas com cadáveres, a corrida contra o tempo com a montagem de hospitais de campanha nos locais mais improváveis ou a crescente taxa de infetados entre os profissionais de saúde (4000 nos dados desta segunda-feira, 12% do total), Espanha procura agora o “erro” que abriu portas à propagação da doença.
Espanhóis sem restrições
Uma das teses aponta para a mobilidade dos espanhóis, ao menos quando comparada com o modo de vida italiano.
“Há um grupo de comunidades que, sem atingir as taxas mais altas, se confrontam com um forte aumento em termos de mortes na última semana. É um fenómeno que não aconteceu em Itália”, sustenta Daniel López Acuña, professor associado da Escola Andaluza de Saúde Pública e ex-diretor Organização Mundial de Saúde.
López Acuña aponta para o facto de que “em Itália a mobilidade em redor dos primeiros focos foi mais reduzida, enquanto que em Espanha se manteve muito elevada inclusive nos dias que antecederam a declaração do estado de alarme”.
Esta tese, apesar das reservas por se estar ainda em plena crise epidémica, é também defendida por Pere Godoy, presidente da Sociedade Espanhola de Epidemiologia. Este responsável também salienta a questão da mobilidade que se manteve até à declaração de alarme público como factor ideal para a disseminação do novo coronavírus por todo o território: “Penso que foi um erro permitir a grande dispersão geográfica de pessoas que continuou a acontecer nos dias que antecederam à entrada em vigor do isolamento, o que poderá ter facilitado a propagação do vírus”.
López Acuña acrescenta ainda “os focos de infeção importados de Itália que certamente ocorreram em Espanha nos dias que antecederam a deteção de contágios locais (…) "Certamente [esse factor] foi mais intenso e disperso do que terá acontecido entre China e Itália, o que explica o aumento atual observado nestas comunidades [da segunda fase]”.
Ainda na ressaca da discussão da unidade nacional espanhola, com o processo de separação da Catalunha que se mantém nas agendas políticas, as teses dos responsáveis espanhóis parecem contradizer esta ideia.
“Como Estado, Espanha estará mais integrada no fluxo do movimento das pessoas do que Itália, onde se verificam com enormes diferenças entre norte e sul”, propugna Joan Ramon Villalbí, da Sociedade Espanhola de Saúde Pública e Administração de Saúde.

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